sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Víbora de fogo



- Em que mais posso servi-lo, amo?
- Após o desjejum, tomarei meu banho e irei dormir. Você já pode esquentar a água, criado.
- Certamente, amo.


O homem careca e de olhar sério deslizou entre as cortinas do luxuoso aposento como uma serpente. Seus olhos iam de um lado para o outro e suas mãos trabalhavam rápidas enquanto ele juntava os sais de banho e preparava o "esquentadouro". Um aparato mágico criado por seu mestre que esquentava até 10 galões de água à uma temperatura agradável, apenas pronunciando uma palavra de comando:

- Kari'zhe!

Com uma expressão entendiada, o homem careca esfregava a beirada da banheira de madeira com uma esponja. Seu amo era um homem muito exigente, e ainda por cima um canalha. Bem como a grande maioria dos Pashas de Calimporto. Sua aparência sempre impecável, sua barba bem cuidade e palavras floreadas só atingiam aqueles que ele queria impressionar. Para o pobre Abin, aquele homem era um verdadeiro diabo em Faerûn.

Abin o serviu desde que era um adolescente, quando ainda vivia com sua mãe em um casebre à beira do mercado de pulgas. Com o falecimento de sua querida mãe, seu único familiar que conheceu, seu mestre, Ibrahin Morhmad, permitiu que vivesse em seu palácio para ser seu servo particular. Após 25 anos, esse convívio somente serviu para aumentar a revolta dentro do coração do pobre Abin.

Contudo, Abin não era tolo nem ingênuo. Como seu amo tinha um poder mágico nas mãos, os outros o respeitavam.  Ele acreditava que se obtivesse esse mesmo poder, poderia conseguir o respeito que tanto almejava. Desde então, dia após dia o jovem cultivou esses sentimentos em seu amargo coração. Todos os dias eram como um treinamento de paciênca, enquanto tentava ler e aprender sobre tudo aquilo que seu mestre deixava à mostra no palácio. Um livro na cabecera de sua cama, um tomo antigo na sala de estudos, alguns objetos mágicos que insistia em mexer e remexer. Mas o aprendizado mágico não vem tão facilmente  assim. O que era uma busca fervorosa foi se transformando em sonho inalcançável. Aos poucos, o jovem foi se resignando, aceitando a sua situação de servo e o pior de tudo, o pior castigo que o destino poderia lhe impor. Abin envelheceu na servidão.

Contudo, seu mestre também envelheceu. Não se sabe ao certo se foi como acontece com algumas pessoas que amadurecem e tornam-se pessoas melhores, ou se o homem estaria usando a vida de seu servo para um plano maior, mas Ibrahin compadeceu-se de Abin. Em uma certa noite, ofereceu-lhe uma visita ao seu laboratório arcano. Um lugar proibido mortalmente, afinal, Ibrahin jurou sobre o véu de Azuth que mataria lentamente e dolorosamente qualquer um que adentrasse esse recinto sem sua expressa autorização. Nessa noite, o mago mostrou uma parcela de seu poder ao jovem Abin e lhe propôs ensiná-lo na arte. Como era de se esperar, Abin aceitou imediatamente.


O aprendizado não o eximiu de suas atividades diárias e da sua servidão. Contudo, agora o homem tinha um grande motivo para continuar vivendo. A magia era algo estupendo, muito melhor do que qualquer outra sensação que já experimentara. Era a ilusão de poder fazer tudo o que quiser, uma onipotência adorável mas terrível. O fogo nos olhos de Abin voltou a brilhar.

Mais tarde, Ibrahin iniciou o seu servo na tradição calimshita do fogo, uma especialidade mágica conhecida apenas por alguns magos da grande nação de Calimshan. O poder do fogo foi facilmente dominado por Abin, que de certa forma parecia já ter uma certa habilidade com o elemento. Os estudos continuaram e o aprendiz parece cada dia mais motivado e prestativo para com seu mestre.

- Seu banho está pronto, amo. Irei imediatamente preparar seus aposentos para que repouse.
- Certo, vá logo. Não demorarei aqui. E não se esqueça que amanhã convocaremos o elemental, prepare todos os feitiços de proteção, pois se você falhar, deixarei que ele o queime até os ossos.
- Certamente, meu amo. Com vossa licensa...
O velho mago deixou cair a toalha de lã de ovelhas negras que o cobria no chão e lentamente colocou uma das pernas dentro da água morna da banheira.
- Kravandir' Shirak'za! - O mago dissipou sua proteção contra elementos, para assim poder desfrutar do calor confortante daquela banheira.


Uma sensação de conforto lhe percorreu a espinha e então ele colocou a outra perna. Mas o velho homem sentiu uma dor estranha e fria que subiu-lhe inesperadamente do pé esquerdo à cabeça. Ao levantar-se da água e olhar o que causou o desconforto, deparou-se com uma grossa agulha, praticamente toda fincada em seu corpo.

- Abiiiin! O que... Coff, coughf! Cooofh! é isso? Abiin! Venha cá, seu verme! Ven... nha.. ar.. aarrhh...


Naquele momento, após cessarem os gritos do velhote, a única porta do cômodo se abre. Uma figura encapuzada entra com uma adaga encurvada e cheia de dentes em punho. Nesse momento, Abin está subindo um lance de escadas dentro do palácio. Sua mente está repleta de medo e excitação. Acompanhava a rotina do mago à muitos anos, sabia que ele podia ler a mente de todos que quisesse, sabia que ele conjurava magias de proteção diarimente, sabia que uma poderosa magia de contingência o levaria até seu laboratório secreto (onde ele escondia um grande arsenal de poções curativas) caso fosse atingido mortalmente. Lembrou-se do momento em que lhe foi oferecido para ser pupilo de Ibrahin. Lembrou-se da expressão patética de compaixão que havia em seu rosto. Naquele momento, ele soube que seria livre de uma vez por todas.

O primeiro passo foi dado logo nos primeiros meses de aprendizado, quando secretamente se encontrou com um dos inimigos declarados do arcano, Kazir Umbramar. Ele lhe forneceu um broche que confundiria a detecção de seus pensamentos, o qual Abin conseguiu manter em segredo facilmente devido à magia "Aura mágica de Nystul" conjurada permanentemente sobre ele. Após isso, traçou o plano e esperou até o momento certo para executá-lo. Veneno drow não foi tão difícil de se encontrar. Uma caravana de Amn que dizia vender peles de animais e escondia muitos segredos forneceu-lhe o precioso líquido negro. Agora, quanto ao homem que adentrava nesse momento os aposentos do Pasha Ibrahin, ora, assassinos são mais fáceis de contratar do que um bom alfaiate nesse lugar.

Abin ativou as runas que abriam o laboratório. Agora com seu recém adquirido poder mágico, tal feito era fácil para seu intelecto esclarecido. Enquanto isso, uma adaga deslizava delicadamente fundo na garganta de seu mestre. Como ele esperava, um clarão azul anunciou a ativação da contingência e uma figura patética e nua colocava inutilmente a mão em sua garganta cortada para tentar reter a vida em seu corpo, enquanto rastejava até a estante de poções. Sem poder falar, a magia não viria  para o decadente Pasha.

- O banho estava do seu agrado, amado senhor?


O velho, ainda atônito com a traição, se vira para a porta tenta pronunciar algo que pareceu uma maldição aos ouvidos de Abin.

- Percebi que, como de costume, o senhor dissipou suas proteções para poder sentir melhor o conforto e calor do banho... uma lástima, pois eu gostaria muito de lhe mostrar algumas coisas que o senhor me ensinou! - Phyronea Cremarum!




Abin estica suas mãos na direção do caído Pasha. O fogo vem como no sopro de um dragão, queimando a carne e cabelos, deixando a carne do velho homem exposta, mas anda assim ele estava vivo.

- Phyronea Cremarum! - Abin grita com mais intesidade... e após o som do fogo cessar, ouviu-se o silêncio...


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